The Smile não é "rock" nem inovador, é "apenas" Radiohead

Quando o mundo da música ficou sabendo que Thom Yorke e Jonny Greenwood, líderes do Radiohead, e Tom Skinner, baterista do ótimo grupo de afro-jazz comtemporâneo Sons Of Kemet, estavam lançando uma nova banda chamada The Smile, fãs e críticos alimentaram a expectativa de que teríamos um novo Radiohead com novas versões de "Creep".

Porém, Nigel Godrich, produtor de quase todos os álbuns do Radiohead, avisou em uma entrevista: "The Smile não é rock". Na sequência, malandramente, o novo grupo lançou "You Will Never Work In Television Again", um rock intenso e enérgico.

        O público ignorou o aviso inicial e jurou de pés juntos que The Smile seria um Radiohead "pós-punk" ou até "punk" na visão de alguns. Entretanto, Thom Yorke anunciou em uma apresentação durante a pandemia: "The Smile não é um sorriso 'hahaha', é o sorriso de quem mente para você todos os dias."

Em seguida, testando o quanto o público estava prestando atenção aos avisos, a banda soltou o single "The Smoke", um "funk rock" envolvente e cheio de groove. Os fãs e críticos não se importaram com a explicação de Thom Yorke sobre sorrisos mentirosos e insistiram em suas expectativas fantasiosas afirmando: "The Smile é Radiohead para fãs de Rock".

      Então, veio o "pulo do gato" no lançamento da música "Skrting On The Surface", uma balada atmosférica, lenta e delicada, bem diferente dos dois singles anteriores. Isso surpreendeu aqueles que esperavam encontrar no The Smile um retorno ao Radiohead "roqueiro" dos anos 90.

        Percebendo a diferença na sonoridade, alguns fãs podem ter especulado que The Smile era um Radiohead "inovador". A ideia era entender que não valia a pena esperar do The Smile o som "roqueiro" do qual a maior parte do público sente saudade. Além disso, uma regra imaginária no mundo da música afirma o seguinte: toda banda que começa um projeto paralelo tem que, obrigatoriamente, apresentar uma sonoridade diferente nesse projeto, caso contrário não há sentido em existir um projeto paralelo similar à banda original. Portanto, The Smile tinha que ser diferente de tudo o que se sabia sobre o Radiohead.

Porém, essa regra não existe de fato e Thom Yorke e seus amigos declararam antecipadamente que The Smile não era "rock", mas era um sorriso mentiroso e ao lançar "Pana-vision", balada com piano e orquestra, o público desistiu de adivinhar. Afinal de contas, o que seria o The Smile? A resposta veio no disco de estreia "A Light For Attracting Attention": The Smile não é "rock" nem inovador, é "apenas" Radiohead.



Para entender porque The Smile não é "rock" nem inovador, basta observar as faixas desse álbum e buscar suas correspondências em toda a discografia do Radiohead. "The Same", música que abre o disco, é uma fervura eletrônica que poderia estar em "Kid A", trabalho revolucionário lançado em 2000 no qual o Radiohead cria um rock baseado em experimentações eletrônicas.

"The Opposite", segunda faixa do álbum, é um rock tenso, cheio de "groove", que poderia estar no disco "In Rainbows", de 2007, quando o Radiohead volta a colocar elementos sofisticados em seu "rock'n'roll", ou em "Hail To The Thief", de 2003, por causa da semelhança com a faixa "Where I End And You Begin".

"You Will Never Work In Television Again", "single" de estreia que fez vários fãs pensarem que o The Smile seria um Radiohead mais agressivo, é, de fato, um "punk" ou um "pós-punk", mas está muito mais ligado à energia da primeira fase do Radiohead, sintetizada no disco "Pablo Honey", de 1993, que apresenta uma sonoridade parecida com uma espécie de "grunge inglês" ou algum tipo de rock fortemente influenciado pela obra-prima "Nevermind", álbum do Nirvana lançado em 1991.

"Pana-vision", com sua mistura de piano e orquestra, poderia estar em "A Moon Shaped Pool", disco de 2016, que contém várias músicas com esses elementos, ou em "Amnesiac", de 2001, pela semelhança com a faixa "Pyramid Song".

"The Smoke", por sua vez, é um "rock" com sonoridade "funk" e tem bastante "groove", graças ao baixo, instrumento que comanda essa canção em vez da guitarra. Parece inovador, mas algo semelhante já foi mostrado em "Harrowdown Hill", faixa do disco "The Eraser", de 2007, o primeiro da carreira solo do vocalista Thom Yorke.

"Speech Bubbles" também poderia estar no álbum "A Moon Shaped Pool" pelos mesmos critérios de "Pana-vision", enquanto "Thin Thing" retoma a energia de "You Will Never Work In Television Again" com a intensidade do disco "Pablo Honey" e recupera a força da música "The Opposite", que remete a algumas canções de "Hail To The Thief" e "In Rainbows".

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"Free In The Knowledge" possui semelhanças com "Fake Plastic Trees", lembrando as baladas do disco "The Bends", de 1995, e pode ser considerada uma versão mais intensa de "Give Up The Ghost", do subestimado álbum "The King Of Limbs", de 2011. Além disso, "Free In The Knowledge" poderia estar no "lado B" de "OK Computer", de 1997, após o encerramento de "The Tourist" no "lado A" e antes de "I Promise" no outro "lado".

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"A Hairdryer" e "Waving A White Flag" encontram lugar em "Kid A", enquanto "We Don't Know What Tomorrow Brings" é muito semelhante ao sucesso "Jigsaw Falling Into Place", do disco "In Rainbows".

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Por fim, "Open The Floodgates" e "Skrting On The Surface" não são músicas inovadoras nem inéditas, pois ambas já foram tocadas em shows do Atoms For Peace, outro projeto paralelo de Thom Yorke, acompanhado pelo produtor Nigel Godrich, e também em shows do Radiohead. 

Neste vídeo a seguir, publicado em 2011, mais de uma década antes da estreia do The Smile, temos Thom Yorke confundindo as duas músicas, esquecendo a melodia de "Skrting On The Surface" e tocando "Open The Floodgates" no lugar da outra canção.

Skrting On... Open The Floodgates

O sorriso mentiroso do The Smile é algo muito sincero que apenas será aceito por quem entendeu que Radiohead não é somente "Creep" ou "rock para fãs de rock'n'roll", mas uma coleção de álbuns que desafiam o conceito de "rock" e incomodam o ouvinte preguiçoso. Quem estiver disposto a encontrar a verdade descobrirá que The Smile não é exatamente "rock", não é "pós-punk", nem "punk", nem inovador e muito menos inédito. The Smile é "apenas" Radiohead.

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Até a próxima!

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